"too distasteful" foi o veredicto de JRRT
Entre cultuadores da ficção científica já se sabe que o livro do autor estadunidense goza de um status similar ao do Senhor dos Anéis entre os fãs de fantasia como referência criativa para gerações de leitores, cineastas e artistas que trabalham com o gênero. Fato explicitado na capa da edição portuguesa mais recente reproduzida acima: "O Senhor dos Anéis da ficção científica"
Mas qual seria a opinião do próprio JRRT, normalmente tão cativado pelo tratamento minucioso e elaborado dado ao background e construção "histórica" do mundo "subcriado", a realidade ficcional urdida pro livro ?
Na época da publicação britânica de Duna, pediram que Tolkien escrevesse uma nota apreciativa; ele declinou dizendo que "achava o livro repugnante demais".
Pode-se presumir que, para JRRT, era evidente demais a veia anti-católica do livro, com as analogias pouco sutis entre as bene gesserit e missionários jesuítas pro Novo Mundo, já que Frank Herbert, realmente, tinha uma agenda anti-ortodoxa e pró-ecumênica ao extremo, o que ia no sentido contrário às opiniões de Tolkien.
A mãe e as tias de Herbert eram jesuítas e ele tinha, portanto, uma verdadeira repulsa por doutrinação religiosa subliminar. Ele começou sendo criado no Catolicismo mas, já adulto, adotou o Zen Budismo.
Há que se levar em conta a noção de que as Bene Gesserit no universo de Herbert usam as crenças religiosas como forma de consolidar a dominação imperial sobre as populações nativas dos planetas o que é uma leitura pouco elogiosa, embora, grosso modo, antropologicamente correta,ainda que seja um enfoque "simplista", do papel desempenhado pelos jesuítas na América Latina. "Jesuítas-gesserit", sacaram a piadinha já no nome, né?
Uma das religiões que ele descreve no futuro de Duna, por exemplo, era produto de coalisão ecumênica que unificava católicos e protestantes com zen budistas e islamitas; o catolicismo zensunni seriauma versão zen budista do catolicismo combinado com islamismo sunita. Uma aberração sincrética espúria na concepção de Tolkien, sem dúvida.
O próprio Frank Herbert escancarou a coisa no As Herdeiras de Duna...
— Você está jogando o problema de volta para mim — disse Murbella. — Tentando forçar minha escolha, quando já sabe qual é.
Odrade continuou em silêncio. Essa era uma forma de argumento que os antigos Jesuítas tinham quase aperfeiçoado. O simulfluxo se sobrepunha a padrões de disputas: deixe Murbella convencer-se a si mesma. Dê-lhe apenas cutucadas muito sutis. Proporcione pequenas desculpas
E fanfiqueiro brasileiro entendeu muito bem a relação
Moneo mantinha-se apenas dentro da distância prevista, do lado da Carreta de Leto. O Verme encontrava-se muito presente esta manhã — os sinais corpóreos bem evidentes aos olhos de Moneo. Sem dúvida, era a umidade no ar. Isso sempre parecia atrair o Verme.
— A religião sempre conduz ao despotismo retórico — disse Leto. — Antes da Bene Gesserit, os jesuítas eram os melhores nisso.
— Jesuítas, Senhor?
Vide aí comentário
de Tim O'Reilly em sua não-reeditada biografia de Frank Herbert
He does turn against the Nathians. They too anticipate the Bene Gesserit; not trained in esoteric skills, they seek rather to rule than to secretly guide the course of history. However, they do have the matriarchal structure, the breeding program, and the political aims that distinguish the Sisterhood. A likely source for the Nathians is Herbert's childhood. His mother had ten sisters, who were extremely close and shared in his upbringing. Orne's escape from the Nathian influence might be construed--and this is purely conjectural--as reminiscent of Herbert's own escape from the confines of the family matriarchy. More importantly-- and this provides a clue to the eventual amalgamation of the Nathian matriarchy and the Foundation in the Bene Gesserit-- Herbert has described the Bene Gesserit as 'female Jesuits." The aunts overcame Herbert's agnostic father and insisted that the son receive Catholic training. As it turned out, he was taught by Jesuits. An order whose political power and long-term vision silently shaped a great sweep of world affairs, and who were once famed for their training and asceticism, the Society of Jesus bears no small resemblance to the witches of the Imperium. The association in Herbert's mind between the aunts and the Jesuits seems to have stuck, and may have provided the link between the matriarchy and future management in the Bene Gesserit. In the long run, Herbert recalls:
My father really won. I was a rebel against Jesuit positivism. I can win an argument in the Jesuit fashion, hut I think it's flying under false colors. If you control the givens, you can win any argument.
Paul's break with the Sisterhood therefore seems to echo Herbert's own experience rather closely.
A primeira vez em que uma cópia foi remetida pra apreciação de Tolkien foi em 1965 com outra se lhe seguindo no ano seguinte, época da publicação na Inglaterra.
Como bem explicou Douglas Anderson
The other candidate from 1966 is bibliographically confusing, and sometimes erroneously dated to 1965. This is the Ace Books edition of Frank Herbert's Dune, published in hardcover by Chilton in 1965. (Tolkien was sent a copy of the book by its editor at Chilton, Sterling Lanier, an author in his own right and a correspondent of Tolkien's. When the British edition of the book was to be published in 1966, the British publisher Gollancz also sent Tolkien a copy of the book, requesting a blurb. Tolkien declined, saying he found the book too distasteful.)
Mesmo assim, por todos os seus méritos e influência, Arthur Clarke, com razão, proclamou que só o Senhor dos Anéis se comparava com Duna no quesito de amplitude "subcriativa".