quarta-feira, 18 de novembro de 2009

As Crônicas de Prydain-Desconstruindo o Senhor dos Anéis e achando o Mabinogion



Todo mundo quando se fala em Senhor dos Anéis ao falar das fontes só enfatiza os paralelos com a tradição nórdica, que incluía os materiais que deram origem ao Anel do Nibelungo de Richard Wagner. Mas , será que a história acaba aí? Para além das fontes arturianas, também célticas, estudadas com cada vez mais ênfase, há também as analogias com um dos livros favoritos de Tolkien , o Mabinogion, texto mitológico da cultura galesa, do qual Tolkien possuía numerosas edições. Os débitos de Tolkien com a mitologia galesa serão tema de um seminário na Inglaterra ano que vem. Mas ,para nós , brasileiros, que só temos, até agora, dois pequenos livros traduzidos estudando as fontes de Tolkien e ainda não vimos nem sombra do Mabinogion qual é uma maneira lúdica e eficiente de enxergar as correspondências?

Resposta: lendo as Crônicas de Prydain de Lloyd Alexander.

Lloyd Alexander era um autor norte americano, criador das Crônicas de Prydain, recentemente publicadas aqui no Brasil. Ele, aparentemente, criou as Crônicas em cima de uma engenharia revertida do Senhor dos Anéis, rementendo todo mundo, lugares, pessoas, conceitos aos seus originais célticos encontrados no Mabinogion. Ao fazer isso ele foi precursor de análises que já começaram no ano seguinte da conclusão da sua série de cinco livros ( publicada entre 1964 e 1968, no boom da segunda edição "oficial" do Senhor dos Anéis, a que foi adotava massivamente pela contracultura hippie). Já no ano seguinte em seu seminal e pioneiro livro sobre Tolkien, Undestanding the Lord of the Rings,Lin Carter já saiu fazendo a comparação óbvia sugerida nas páginas das Crônicas de Prydain entre os Elfos tolkienianos e os Tuatha Dé Danaan, que , nas Crônicas de Prydain, apareciam sob o seu nome galês, Povo de Don, a "Casa" da Deusa Don do Mabinogion.



O curioso com as Crônicas é que ela serve para traduzir os personagens de Tolkien com seus análogos galeses do Mabinogion de uma maneira muito eficiente do ponto de vista narrativo e teórico, criando um novo texto literário, um "palimpsesto" da mesma matéria-prima ao invés de fazer um ensaio ou tese "seca". Isso é algo que Tolkien, sem dúvida, aprovaria já que ele, de maneira semelhante, fizera a mesma coisa quando criou a sua mitologia e achava que o autor de Beowulf tinha feito o mesmo com a dele. O caso de Melian e Merlin já mostrado nesse blog é ilustrativo dessa tendência do autor onde Tolkien deixou implícita não só a comparação entre Melian/Thingol e Merlin, como, linguisticamente, fez uma , provavelmente pioneira, comparação entre Merlin e Gwendolyn galeses/bretões com Endimion e Selene da mitologia grega, criando uma "ponte" com seu próprio Legendarium.



Pois é, voltando a Lloyd Alexander , ele fez a mesma coisa nas Crônicas, a gente pode encontrar os originais celtas de Mordor, Sauron, Saruman,dos Nazgûl, Gandalf, Boromir, dos Elfos, Aragorn e, por último mas não menos importante, talvez, Tom Bombadil.

Mas o quanto desse processo de engenharia revertida era consciente por parte de Alexander? A julgar por esse quote que eu peguei no google books, aparentemente, muito dele foi deliberado e consciente,pois, Alexander, ostensivamente, comparou o seu Povo de Don com os elfos tolkienianos



Também estão embutidas diversas comparações possíveis entre Arawn, Lorde da Morte, e Sauron do Senhor dos Anéis como foi bem comentado nesse trecho do mesmo livro citado.



Os insights de Lloyd Alexander, quarenta anos adiantados em relação aos críticos mainstream atuais, mesmo aqueles que são fãs de Tolkien, demonstram bem que nem sempre é preciso ser um "scholar" para fazer boa "scholarship".

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